16 abr/19

Hilda tentava contato. Talvez a solidão na "Casa do Sol", seu refúgio, tenha a motivado a buscar algum sentido além do que se vivia ali. Entre 1974 e 1978, a escritora se dedicou a um tipo muito peculiar de tarefa: o contato com espíritos. Munida de um gravador e de imensos fones de ouvido, e com ajúda de amigos físicos, ela tentava incansávelmente contato com seus “amigos de outra dimensão”.

 

Talvez fosse também um desejo de tirar seu próprio medo da finitude. Se houvesse contato, haveria algo a mais esperando por ela. O tempo passava, a velhice chegava, e Hilda retrata sem cessar a frágil e surpreendente condição humana. Com uma máquina criada com a ajuda dos seus amigos físicos, Hilda tentava contato e questionava: "vocês, mortos, vivem?" Mas nunca obteve resposta. 

 

 

 

 

Hoje quem sente vontade de fazer um contato com Hilda são seus leitores. Afinal, quem não gostaria de ser amigo daquela figura genial, carismática, divertida, e bem-humorada? Uma amiga ideal, que certamente todos gostariam de ter por perto. 

 

Pois esse interesse por Hilda e sua obra motivou o Instituto Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto, a prestar uma bela homenagem nos dias 12 e 13 de Abril.  Aproveitando a exposição de fotos do português Fernando Lemos e a série deslumbrante de retratos da autora, o Instituto também promoveu palestra, filme e bate-papo sobre Hilda.

 

 

 

No dia 12, o Farofa Cultural conferiu de perto a palestra com Roberta Ferraz (foto acima) sobre "As Forças Moventes da Obra de Hilda Hilst". Através da palestra, pudemos entender melhor a história da escritora, sua relação com as palavras, com a sua família, com seu lar e com tudo que abarca sua laureada obra. Posso afirmar que, mesmo quem não conhecia Hilda Hilst, acabou de apaixonando por ela. Eu mesmo pensei que a palestra seria monótona em algum momento, como acontece em algumas palestras literárias que estou habituado a frequentar. Ledo engano: a palestra foi muito rica e explicativa, conseguindo prender a atenção do público a cada minuto. Roberta é graduada em História e em Letras, Mestre e Doutora em Literatura Portuguesa, e dividiu com o público presente seus conhecimentos sobre a vida e a obra de Hilda, como se estivesse falando de uma grande amiga. Talvez o fato de parecer estar trocando confidências sobre Hilda com o público, tenha criado essa aproximação entre palestrante e público.

 

 

 

Por instantes, Roberta deixava escapar um tom de emoção em seu discurso, além do nítido brilho no olhar de quem estava conseguindo transmitir sua mensagem com sucesso. Houve leitura de um trecho de "Kadosh", um dos grandes sucessos de Hilda. E foi emocionante.

 

 

Após a palestra, assistimos ao filme "Hilda Hilst pede contato", com direção de Gabriela Greeb. O filme é irretocável. Cada segundo ali tem um porquê, cada sílaba é importante, cada silêncio e é indispensável. Tudo muito preciso e ao mesmo tempo, muito natural, muito leve. O que me encantou, em particular, foi o fato de trazer trechos verídicos de Hilda tentanto incansavelmente o contato com os mortos. Gabriela inclusive confessou ter ouvido algo "estranho" no meio dessas gravações de Hilda tentando contato. "Fiquei assustada", confessou.

 

 

 

 O filme nos apresenta essa mulher que morava sozinha, que tentava contato com mortos em plena década de 70, sendo considerada "louca" por muitos naquela época,  mas que - aparentemente - não dava a mínima para isso.  Continuava tentando a comunicação mesmo que parecesse loucura, e continuava escrevendo e acreditando no seu talento mesmo quando sentia que não era lida.  Em alguns momentos do filme, nos sentíamos ali, na Casa do Sol, como se estívessemos vivendo tudo aquilo junto com Hilda. Aliás. a casa fazia parte de Hilda e tinha uma importância enorme e direta em sua obra, o que ficou claramente registrado no filme.

 

 

A própria autora se considerava pouco lida, incompreendida pelos leitores e ignorada pelo mercado editorial. Ao se lançar nessas experiências "místicas", buscava uma conversa que não conseguia manter com o próprio meio literário. Inclusive em uma das passagens do filme, Hilda tenta uma conversa com Clarice Lispector. Que infelizmente não aconteceu. Algumas cenas importantes traziam os amigos de Hilda dando seus depoimentos. E todos diziam que Hilda ficava feliz ao saber que era lida por eles. Inclusive, uma das três regras para entrar uma pessoa poder entrar em sua casa, era ter lido alguma de suas obras. As outras regras eram "não trazer criança" e "gostar de cachorro". O fato de ficar feliz ao saber que alguém havia lido algum de seus livros constata que ela não era tão reconhecida quanto deveria. Ou, ao menos, não se sentia assim.

 

 

O filme é conduzido de uma maneira brilhante. Gabriela consegue nos colocar lá, dentro do filme. E torna fácil a compreensão de quem era Hilda. Em pouco mais de uma hora de filme, parece que nos sentimos íntímos daquela personagem. Torna fácil a compreensão de quem era aquela escritora, os motivos de fazer o que fazia, de escrever o que escrevia. 

 

 

Cenas de humor em momentos específicos do filme fazem a atenção se manter fixa à telona. Os momentos em que Hilda se irrita com a falta de resposta dos mortos, é impagável. "Hilda tentando contato.... Hilda tentando contato... Ninguém vai me responder? To ficando brochada com essa experiência!!!". Embora ela tenha se sentido "brochada" com a experiência do contato em si, a frase me soou como um desânimo da autora com a vida. "Brochada" com a experiência da vida. Por saber que a vida é finita, e que um grande vazio poderia a esperar do outro lado. O filme é realmente impagável. E traz aprendizados em cada cena. Basta ficar atento aos sinais.

 

No dia 13 de Abril, o Instituto seguiu com a homenagem à escritora, com a Exposição de Fernando Lemos "quanto mais me vejo, mais invento o que desejo". O Farofa não esteve presente neste dia, mas certamente foi um evento memorável como todos do Instituto Figueiredo Ferraz.

 

Fernando fotografou Hilda Hilst em 1959, em seu ateliê. "Na maioria das fotos, a câmera está posicionada levemente de baixo para cima, não para elevar a escritora à condição de diva inalcançável, mas para mostrá-la transitando, assim como em sua poesia, entre o alto e o baixo", diz Fernando. Uma palestra as 17h sobre a poesia brasileira também foi um dos destaques do evento no dia 13 de abril. 

 

Nós, do Farofa Cultural recomendamos que conheçam o Insituto Figueiredo Ferraz. O Instituto sempre considerou a importância da arte e da cultura, sempre manteve vivo o universo das artes visuais, e cada vez mais, apresenta palestras e cursos com conteúdos de diversas áreas para lá. 

 

Para conhecer mais sobre o Instituto Figueiredo Ferraz, acesse o site clicando aqui

 

 

 

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