23 mai/19

Gabriela é livre. Viaja sozinha quando tem vontade, cria seus projetos sem precisar de palpites, corre atrás de cada detalhe dos seus projetos, e parece curtir os momentos de solitude com sorriso nos lábios. Segura como artista, Gabriela Francheck é inquieta, atenta às questões sociais e políticas, sempre com certa necessidade de representar nas canções aquilo que as pessoas gostariam de dizer mas não podem. Nesta entrevista ao Farofa, Gabriela comenta sobre seu novo projeto musical, "Mulher Submersa". Nossa conversa aconteceu no Brou'ne do Ribeirão Shopping.

 

 

Logo no início do nosso encontro, conversamos sobre o passado musical da cantora. E é um passado tão rico, com tanto estudo e horas de dedicação, que chega a ser difícil de acompanhar. "Fui aluna do projeto Guri, aluna do Centro Cultural e aluna do Minaz. Ao mesmo tempo. E ainda fazia conservatório de piano. Quando fui fazer a faculdade, eu fazia isso o dia inteiro. A música preenche 24 horas do meu dia, desde sempre".

 

 

O histórico com a música tornou Gabriela segura como artista. Esse contato "full time" com a música faz com que ela enxergue arte por onde quer que siga. E essa visão criativa ela traz consigo em seus trabalhos, na inteligência de seu repertório, na escola de cada detalhe dos seus figurinos, luzes, cenário. 

 

Quando falamos sobre influências musicais, ela cita muitos nomes. Mas um em especial chama atenção: Elza Soares. Isso devido ao fato de ser uma mulher a frente do seu tempo, e não ficar ensimesmada como muitos outros artistas que chegam ao conforto do reconhecimento nacional. E existe muito de Elza em Gabriela. Certamente o fato de pensar diferente dos demais, de buscar sua própria identidade musical e lutar pelo que acredita. 

 

Sempre com um projeto novo em mente, a cantora está empenhada com "Mulher Submersa", novo trabalho musical.

 

"É um trabalho denso, que tem uma sequência lógica entre as músicas. Passa a impressão de estar debaixo d'água. Trata das emoções que nós guardamos atrás do rosto. Então trata de coisas que estão por trás, escondidas, que muitas vezes não conseguimos falar. A projeção do CD é que, musicalmente, a pessoa perceba que está chegando à superfície da água no decorrer das músicas".

 

FAROFA: Qual a principal diferença deste seu novo projeto "Mulher Submersa" com os anteriores, como "à flor da pele"?

GABRIELA: Primeiramente por ser um album autoral. É o primeiro de minha carreira e tem todo um  tempero especial pra mim. A liberdade de tecer as melodias e arranjos que nascem das entranhas e ganham corpo no espaço sonoro é lindo. O flor da pele já trazia o empenho na expressao poética-musical, era visceral! Com o 'Mulher submersa" posso mergulhar nesse universo por inteiro

 

FAROFA: Como você descreve sua fase atual ?

GABRIELA: Acho que de maturidade. 

Não tenho mais alguns sonhos e ilusões do inicio... e é bom! Faz gastar energia e foco no que interessa. A ansiedade diminui e a sensação de ter que dar conta de tudo desaparece. Por isso agora me sinto mais centrada.

 

FAROFA: Além dos cuidados com a voz, você parece ter uma preocupação estética muito grande com seus shows, com luzes, figurinos, e com todos os detalhes envolvidos num espetáculo. Você se considera uma pessoa perfeccionista?

GABRIELA: Perfeccionista acho que não, mas, considero tudo que envolva arte muito importante. a oportunidade de fazer algo brotar nas pessoas, no mundo,... por vezes, pra sempre...outras vezes, por segundos... por isso cuido pra que cada detalhe esteja costuradinho na idéia, no tema, nas sensaçoes. 

A experiência deve ser completa e de total entrega.

 

FAROFA: Como lida com críticas? Já recebeu alguma crítica negativa nesses anos todos, ou algum "não"?

GABRIELA: Já recebi muiiiiiitas críticas, muitos palpites infelizes, muito deboche e tudo de cruel que possa sair da humanidade. Antes ficava pensando e repensando no que haviam me dito, virava um looping na minha cabeça , ficava triste, me sentia ridícula.... Hoje eu ouço, analiso o que me vale e descarto o resto. Não tem porque guardar essas coisas. Com relaçao aos "nãos": já aprendi que para cada 15 "nãos" vem uns 3 "sim". Viver de arte e produção é isso. Não há do que reclamar, é aprender e seguir.

 

FAROFA: Suas viagens te inspiram em seus novos projetos musicais?

GABRIELA: Sempre! A troca de ares, cheiros, culturas... a troca entre as pessoas, as conversas, sons, paisagens sempre renovam de alguma forma. Quando menos se espera numa composiçao vem um traço de um ritmo, ou o registro de alguma lenda, história... pra mim viver não é preciso, viajar é que é! rs

 

FAROFA: No momento político que vivemos, você acha que os artistas precisam expor claramente seu lado?

GABRIELA: Bem, eu particularmente faço questão de expor minhas opiniões e pensamentos. Além deles estarem também presentes na minha arte. Artista tem que refletir seu tempo ( Nina Simone já dizia). 

 

"Que arte é essa que não tem lado? Pra que que ela serve? Artista é um bicho corajoso na essencia, na raíz, na alma!! Como pode alguém se acovardar pelo o que pensa? Pelo que é?"

 

Acredito que quando se é neutro,ou já escolheu um lado ou o que faz não é arte, É ENTRETENIMENTO! E tudo bem! Trabalha com o segmento comercial e tem clientela. Mas artista, quem ta aqui pra balançar pelo bom e pelo ruim, pra mim, tem que se manifestar sim. Até pra reverberar e não deixar ninguém ficar "a toa na vida" vendo a banda passar.

 

 

 

FAROFA: Sobre a missão social e política da música: o projeto "mulher submersa" aborda o feminismo? 

GABRIELA: O projeto mulher submersa aborda essencialmente o humano. Algumas pessoas associam caracteristicas como sensibilidade, emoção, descontrole, tristeza, melancolia... como femininas. A minha idéia é quebrar isso. Trazer a empatia do ouvinte para essas questões além do gênero.Mas, de qualquer forma, ser mulher, com a necessidade de se expressar por tantos assuntos atuais, ser muito crítica, lançar um album num Brasilzão desses tempos atuias ( machista e de internet) e se expor da maneira mais profunda que eu posso, não deixa de ser por si só um ato politico feminista. Sou uma mulher livre em pensamentos e caminhos. Sei que isso incomoda.

 

FAROFA: Os artistas são vaidosos por natureza. Como lidar com o ego? Você tem essa preocupação?

GABRIELA: MUitos são sim! Mas a minha geração já encara a música como profissão e não o resultado do "seu talento supremo" então cresci vendo muitas atitudes chatas dos mais velhos, alguns jovens reproduzirem aquilo, mas também tenho a sorte de trabalhar e produzir com gente séria, e gengerosa de alma.

Me preocupo sim! Sei que há armadilhas mas sempre caminho com as pessoas certas, mais dispostas a construir juntos do que ter seu moemnto de brilho. Dessas eu já me livrei.

 

FAROFA: Qual dica você daria para um músico de Ribeirão Preto que está começando agora sua carreira? 

GABRIELA: Estude! Acredite em você e vá atrás de quem faz o mesmo som, ou quem vc tem como um norte. Há muita gente generosa por aqui disposta a partilhar o que sabe e os caminhos. Conheca outras cidades também! Ampliar a rede de conexões e os ouvidos é sempre muito bom.

 

FAROFA: Qual música definiria seu atual momento? 

GABRIELA: Puxa! to num moento tão lindo da vida agora que nem sei. Eu gosto mais das musicas mais pesadas nas letras.  Em contrapartida com meu momento pessoal, a vida em comunidade anda pegando caminhos perigosos, e isso me deixa muito preocupada. As medidas do novo governo estão sendo rápidas, destruidoras e só poderam ser revertidas em muitos anos a frente. Talvez eu mesma não veja isso.

Cada dia uma nova notícia me entristece e cada dia tenho mais vontade de me mobilizar .

Por isso pra agora digo : "Divino Maravilhoso"'

 

 
 
Difícil descrever Gabriela. Eu diria que, quem a conhece de perto, sabe que ela está longe de ser a mulher submersa que encarna em cena. Mas ainda assim, ela dá voz a essas pessoas que precisam falar algo e não conseguem. Ela tem essa qualidade de olhar para o outro e se preocupar. Não fica acomodada como uma estrela que já é reconhecida pelo seu talento, que é nítido. Ela compra a briga dos outros, luta por direitos, dá voz e reverbera no palco aquilo que os outros não conseguem ou não podem expressar.
 
Por essas e outras, nós do FAROFA agradecemos a oportunidade de conversarmos com Gabriela Francheck, e sugerimos que nossos leitores sigam a cantora em suas redes sociais.
 
 
 

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