18 abr/19

Gabriel Locher não é de seguir tendências. Pelo contrário. Autêntico, o músico aparenta remar contra a maré ao fazer aquilo que acredita, convicto e seguro de que está no caminho certo. Com uma lacuna enorme no mercado fonográfico, o artista afirma: “pouquíssimas pessoas fazem hoje o que eu faço”. Com seu show “O Novo Crooner Brasileiro”, o ribeirão pretano relembra grandes cantores que marcaram época, sempre com certa incumbência de apresentá-los à nova geração.

 


Busquei nas referências de Gabriel algo que me conduzisse ao seu universo. Então comecei a escutar músicas e assistir entrevistas de cantores antigos para me sentir no clima desta entrevista.  Confesso que me inclinei no estudo de Nelson Gonçalves pra entender um pouco sobre Gabriel Locher . Há um elo na carreira de ambos e uma convergência estilística natural. Então, além da minha função de “stalker” de músicos, achei válida a brincadeira de tentar descobrir Gabriel a partir da obra de Nelson. Talvez o ar de boemia também conte, mas seguramente o principal paralelo entre os dois é a segurança vocal que impressiona. Vale lembrar que este é o ano do centenário de Nelson, portanto aproveitei esta entrevista para homenageá-lo de certa forma.


Nelson foi um cantor tão seguro que, contam produtores musicais, costumava deixar o táxi esperando na porta do estúdio quando ia gravar uma música. Voltava logo, pois tinha a justa fama de gravar de primeira. E imagino que com Gabriel não seja assim tão diferente. Quem o acompanha sabe que, além do fato de ter também essa segurança vocal, ele passeia pelos mais variados estilos musicais com precisão. E não é fácil! “O popular tem nuances que o pessoal do erudito pode não conseguir e vice-versa. Então pros dois casos é complicado. Mas eu sempre convivi muito nos dois âmbitos. Sempre tive banda, cantei rock, pop, e cantava óperas. Então acabei me tornando um cantor mais versátil”, afirma Gabriel.

 

Assim como Gabriel, Nelson era crooner. Em 43, ganhou um emprego como crooner do Cassino do Copacabana Palace Hotel, após o estrondoso sucesso de Renúncia, de Roberto Martins e Mário Rossi. E o vocábulo “crooner” tem sido resgatado pelo músico ribeirão pretano em seu novo show.  “Foi um termo criado para designar o cantor popular que cantava a frente de orquestras e big bands. Hoje não é tão utilizado, mas se você conversar com pessoas mais velhas –
na faixa de 70 anos – elas devem se lembrar", explica Gabriel.

 

 

FAROFA:  O termo crooner ainda não é totalmente conhecido pela pessoas. O que é um Crooner?

GABRIEL: O termo foi criado para designar cantores populares que cantavam com orquestras e "big bands". A idéia é resgatar o termo também, que caiu em desuso, além,é claro, do resgate que faço do repertório.

 

FAROFA: Quando começou seu trabalho como crooner? 

 GABRIEL: Iniciou oficialmente em 2017, quando eu lancei o show "Gabriel Locher: o novo crooner brasileiro". Falo oficialmente porque, apesar de sempre ter gostado desse repertório, nunca tinha pensado em seguir só com esse repertório como eu venho fazendo hoje. Eu venho de uma escola operística. Já cantei em muitas óperas e muitos musicais, inclusive na Cia. Minaz aqui em Ribeirão, e sempre cantei grandes clássicos do Sinatra, do Elvis, e de outros cantores mais antigos, porque naquela época os cantores tinham a voz mais impostada, já que o microfone não era tido como um recurso do cantor. Hoje em dia tem cantores com vozes "pequenas", que são vozes que não tem uma aplitude grande, mas são cantores porque o microfone tá ali, e talvez sem o microfone não conseguiriam cantar nada. Como eu cantei sempre sem o microfone nos teatros, vejo uma semelhança com esses cantores antigos, que precisavam ter uma voz bem potente e impostada para conseguirem cantar naquela época. E esse estilo de canto tem tudo a ver com a ópera

 

FAROFA: No seu show “O Novo Crooner Brasileiro” há um resgate de grandes nomes da música brasileira como Orlando Silva, Cauby Peixoto, dentre outros. E ver um cantor jovem como você interpretando essas canções não é tão comum, pois a maioria se interessa por estilos musicais mais comerciais.  Nos dias de hoje, onde a nova geração parece não escutar tanto esses grandes nomes, você acha que seu trabalho pode contribuir para que eles ganhem uma atenção maior? 

GABRIEL: Sobre o show: o primeiro intuito, pessoal, foi encontrar um repertório em que minha voz se encaixasse. E nas músicas dos grandes crooners eu encontrei a veia para seguir. E também tem a ver com uma lacuna no mercado. Por incrível que pareça, esse tipo de show é muito comercial. Pouquíssimas pessoas fazem o que eu faço. Talvez no Brasil, do jeito que eu faço, não tenha mais ninguém.

 

 

FAROFA: Os grandes cantores da rádio, tinham um elo do popular com o erudito? Ou são mundos completamente distintos? 

 GABRIEL: É interessante frizar que os dois âmbitos tem suas nuances, suas dificuldades. E é realmente difícil fazer a transição do repertório erudito para o popular. O erudito utiliza-se de um vibrato maior, por conta da projeção que é maior, e o popular tem várias nuances que as vezes o pessoal do erudito não consegue colocar, não consegue utilizar essas nuances. Então pros dois casos há uma dificuldade. Eu sempre convivi muito nos dois âmbitos. Sempre tive banda, cantei rock, cantei pop, e cantei ópera também. Então eu me tornei um cantor mais versátil. Esse repertório que eu faço hoje em dia é predominantemente popular, com nuances do erudito. O Francisco Alves, por exemplo, tinha uma voz de cantor lírico, e cantava músicas populares como "Aquarela do Brasil". Então no repertório do meu show eu consegui encontrar um meio termo perfeito dos dois. 

 

FAROFA: Seu amor por música tem influência dos seus pais ou alguém da família? 

 GABRIEL: Eu não tive uma formação musical dentro de casa. Meus pais não tinham costuma de apresentar cantores, de mostrar uma gama de repertório. Mas por outro lado, eles me insentivaram na participação de atividades musicais. Meu irmão fazia aula de piano, e quando ele acabava os seus estudos, eu sentava para tocar piano e tentava reproduzir tudo que meu irmão tinha acabado de estudar. Então de 9 para 10 anos eu entrei no coral infantil da Cia. Minaz, onde eu tive uma formação musical, com vivências em solos, em óperas, musicais. Isso foi muito importante para mim.

 

FAROFA: Qual lado negativo e qual o lado positivo de ser um músico hoje em dia? 

 GABRIEL: O lado negativo é saber que a arte tem um status de atividade "extra". Algumas pessoas não entendem que a música é um trabalho. O músico também tem que pagar conta, teve que estudar muito para conseguir ser um bom músico. A parte boa é fazer o que você ama, emocionar pessoas e ainda sobreviver disso.

  

FAROFA: Hoje quais são seus maiores ídolos e referências musicais que influenciam diretamente no seu trabalho como cantor? 

GABRIEL: Cada músico tem seu valor e sua importância na história. Mas atualmente minhas referências são os granders crooners: Frank Sinatra, Tony Bennett, Nat King Cole, Luciano Pavarotti e vários outros. Tem os nacionais também, como Francisco Alves, Silvio Caldas, Orlando Silva, Cauby Peixoto, Dick Farney. São vários.

 

FAROFA: Música tem também papel político? Como você vê a questão dos artistas se posicionarem politicamente, e como você vê a pressão das pessoas para que os artistas se posicionem?

 GABRIEL: Não vejo que artista hoje não tem a obrigação de se manifestar publicamente sobre sua posição política. Amadureci muito a minha idéia em relação a isso. Antes eu costumava me posicionar mas já tive muito desgaste com isso, inclusive com pessoas do meu convívio, com amigos que tinham idéias diferentes. Na ditadura os artistas eram calados, e a única forma de chegarem ao público era nas rádios, nas gravações. E quando eram censurados, eles não conseguiam levar nem a sua música ao público. Então eles sentiam uma necessidade, uma obrigação de se manifestar naquela época, para que a gente viva hoje a liberdade de expressão que vivemos. Mas hoje temos um meio muito poderoso que é a internet, que dificulda muito a censura de acontecer como aconteceu lá atrás. Então, hoje eu acho legal o artista pensar criticamente sobre as coisas, ter sua posição, mas ao mesmo tempo não vejo a obrigação de compartilhar com os outros o que pensa. Ele tem o direito de ser reservado. Hoje em dia o ambiente é capitalista. O artista precisa do contratante, que nem sempre tem a mesma posição do artista, podendo inclusive rejeitar o contrato de um show, por causa de política. 

 

FAROFA: Como funciona o processo de escolha de repertório nos seus shows? 

 GABRIEL:A idéia do show nasceu com a proposta de ser uma grande homenagem a Frank Sinatra, com repertório todo dele, mas resolvi exaltar também os grandes cantores nacionais. Temos tantos artistas bons aqui também, que resolvi homenagea-los. E escolhi músicas mais icônicas de cada artista, o lado "A" do repertório de cada um deles. Tem "Conceição" do Cauby, tem "Volta do Boêmio" do Nelson, tem "My Way", do Sinatra, e por aí vai.

 

FAROFA: As musicas do seu repertório contam um pouco sobre você? Você acha importante, como intérprete da canção, que a música tenha a ver com você, com sua vida pessoal?

GABRIEL: Algumas sim. A temática principal do meu show é o amor. Então tem uma relação sim. Amor está presente na vida de todo mundo: amor pela família, pelos pais, pela namorada, enfim...Mas não canto só o que tem a ver com minha vida. Nem todas as letras eu vivenciei, mas acho importante passar a mensagem.

 

FAROFA: Sabendo que a voz é um instrumento, quais cuidados que você tem para manter a voz sempre saudável?

GABRIEL: Procuro evitar coisas que sei que fazem mal à voz. Eu por exemplo, tenho muita alergia à poeira, então eu evito entrar em contato. Mas acabo vivendo uma vida normal, sem nenhum cuidado especial.

 

FAROFA: Os artistas em geral são vaidosos por natureza e podem em alguns casos se deixar levar pelo ego.

Qual o cuidado que você tem para não deixar o sucesso subir à cabeça? 

GABRIEL: Eu acho que antigamente eu tinha um pouco mais disso. Hoje eu vejo de uma forma diferente. Tento fazer meu trabalho bem feito e tratar as pessoas com carinho e com a devida atenção. A humildade é uma palavra muito importante para te levar a caminhos mais altos. Graças a Deus eu venho aprendendo e melhorando cada dia mais essa questão de me tornar uma pessoa melhor no que eu faço, e sem me sentir melhor perante os outros. Então isso é uma constante na minha vida. Eu sempre busco ser amanhã melhor do que eu sou hoje, mas sem ser arrogante, sem desprezar ninguém, e buscar o máximo de humildade. Isso faz o artista ser completo na minha opinião

 

 


Fui a um show de Gabriel. Naquele show, a voz era soberana. A plateia quase se esquecia de tudo ao redor, para perceber a riqueza emitida por aquele microfone. Embora já houvesse uma expectativa do público por se tratar do show “O Novo Crooner Brasileiro”, todos se surpreenderam. Ali, sim, estavam diante de um cantor nato. Enquanto seguimos acostumados com apresentações repletas de luzes, dançarinos, telões de LED, troca de figurinos e efeitos, surge Gabriel tendo como único recurso seu próprio talento.  "O Novo Crooner Brasileiro" é um show indispensável. É um show de músico para amantes de música.

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